FOLHAPRESS
Parlamentares que devem à União R$ 3 bilhões em tributos inscritos na dívida ativa tentam se beneficiar com o perdão dos débitos em uma negociação para alterar a medida provisória que instituiu o PRT (Programa de Regularização Tributária), uma nova regra de parcelamento com a Receita Federal.
O projeto de conversão da MP em lei deve ser concluído até meados de maio e está sob a relatoria do deputado Newton Cardoso Júnior (PMDB-MG). O parlamentar acumula débitos de R$ 67,8 milhões em nome de suas empresas.
O deputado afirmou que seu relatório está pronto e deve ser apresentado nesta terça-feira (25). Deputados e senadores submeteram ao relator 376 emendas ao texto enviado pelo Executivo.
Quase metade delas partiu de parlamentares devedores. Outra parcela (37%) foi apresentada por congressistas que se elegeram com doação de empresas inscritas na dívida ativa da União.
A Folha fez um levantamento da dívida total de deputados e senadores com dados fornecidos pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional por meio da Lei de Acesso à Informação. Na Câmara, 291 deputados devem R$ 1 bilhão em nome próprio, de empresas controladas por eles ou de que são sócios.
Também entram nessa conta companhias, fundações ou agremiações em que os parlamentares aparecem como corresponsáveis.
A maior parte dessas dívidas (R$ 724,6 milhões) está nas empresas controladas por um grupo de 190 deputados, ou 37% da Câmara.
No Senado, os débitos seriam menores não fosse a pendência do senador Zezé Perrella (PMDB-MG), que aparece como corresponsável por uma dívida de R$ 1,7 bilhão em nome do Frigorífico Cristal, envolvido em um esquema de sonegação fiscal.
Incluindo esse débito, o montante devido por 46 senadores (mais da metade do total de senadores) totaliza cerca de R$ 2 bilhões.
“Parlamentares devedores foram eleitos por empresas devedoras, que só usam os programas de refinanciamento para continuar não pagando imposto”, disse o coordenador-geral da dívida ativa da União, Daniel de Saboia.
Ele argumenta que os benefícios de anistia aos devedores beneficia um número pequeno de grandes empresas. “São justamente aquelas que apareceram no noticiário envolvidas nas investigações da Polícia Federal. Elas estão na Lava Jato, na Carne Fraca, na Recall, na Saqueador, na Acrônimo.”
PRAZO E DESCONTO
Uma das principais alterações feitas ao texto original da MP é o aumento do prazo de parcelamento dos débitos de 120 para 180 meses.
Também há uma escala de descontos para multas e juros que, dependendo do valor da parcela inicial paga à vista, pode chegar a 85%. Quem optar pelo pagamento à vista terá desconto de 90% da multa e dos juros.
“Às vezes, o valor da multa e dos juros fica maior que a dívida original,” disse o deputado Newton Cardoso Júnior. “É um absurdo.”
O deputado também propõe a alteração do índice de juros usado na correção da dívida. “A maior demanda que recebi [pedidos de entidades de classe] foi pela troca da Selic [taxa básica, mais alta] pela TJLP [Taxa de Juros de Longo Prazo, mais baixa].”
Parlamentares afirmam que não há conflito de interesses
Deputados e senadores envolvidos nas discussões do Programa de Regularização Tributária negaram conflito de interesse em sua atuação no projeto do novo Refis.
“Não vejo nada demais [em participar das discussões]. Ninguém vai fazer nada em causa própria, até porque foi o governo que mandou uma medida provisória para cá. Não foi iniciativa da Câmara”, disse o deputado Andrés Sanchez (PT-SP).
“A Receita e a PGFN [Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional] querem descobrir chifre em cabeça de cavalo”, disse o deputado Newton Cardoso Júnior (PMDB-MG), relator do projeto. “Seguimos a orientação do presidente Temer [para fazer o Refis].”
Ele confirmou os débitos. “Hoje, quem não é devedor?”, disse. “Receita e PGFN tratam o devedor como criminoso.”
Cardoso diz não se considerar legislando em causa própria. “A maior parte das emendas partiu de senadores e deputados que sequer participam da comissão [que analisa o texto]. Recebi mais de 50 entidades de classe.”
O deputado Alfredo Kaefer (PSL-PR), que faz parte da comissão que avalia a MP, afirmou que está na lista de devedores porque sua empresa foi indevidamente declarada falida. Segundo ele, uma decisão do Superior Tribunal de Justiça reverteu o processo.
“A PGFN diz que estamos beneficiando empresas sonegadoras”, afirmou. “Empresa inadimplente não é sonegadora. Se a dificuldade pega, é mais do que natural que a empresa pare de pagar a União para poder honrar compromissos com funcionários e fornecedores primeiro.”
Kaefer também não se considera impedido de participar do debate da MP. “Estou na Câmara há 11 anos e sou membro da Comissão de Fiscalização e Tributação.”
O deputado Júlio César (PSD-PI) afirmou que sua dívida se refere a pendências rurais que são negociadas no âmbito de outra lei. “Nem vou me beneficiar pela MP.”
Os parlamentares consideram indevida a divulgação de seus nomes na lista da PGFN. Segundo eles, seus créditos foram renegociados de acordo com os programas de parcelamento anteriores.
Desde sexta-feira (21), a Folha procurou os deputados Roberto Balestra (PP-GO), Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), Elcione Barbalho (PMDB-PA) e Marinaldo Rosendo (PSB-PE), mas não obteve resposta.
A reportagem não conseguiu contato com o senador Zezé Perrella (PMDB-MG). À Justiça Federal, ele negou ter participação no Frigorífico Cristal, acusado de participar de esquema de sonegação. Porém, o juiz acatou a posição da PGFN de que ele era um dos sócios da empresa.
Também não responderam os senadores Jader Barbalho (PMDB-PA) e Fernando Collor (PTC-AL).
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